O servidor público de carreira, isto é, que foi admitido no serviço público após a devida aprovação em concurso público e que tenha sido legalmente investido no cargo possui direitos e deveres.
Ao assumir a função pública, para a qual haja sido designado, o servidor deverá desempenhar as atividades relativas às atribuições inerentes ao cargo, além de outras que sejam correlatas àquelas com zelo e presteza, conforme disposições estatutárias.
Um dos deveres do servidor é ser assíduo e pontual e, por sua vez, é um dever da administração remunerar o servidor pelo exercício das atribuições inerentes à função do cargo ocupado.
Contudo, pode-se constatar que a Administração Pública, por vezes, não respeita esse dever e não é rara a verificação de abusos cometidos contra o servidor, mormente quando a Administração opta por não seguir aquilo que ela mesma estabeleceu, obrigando tacitamente que o servidor desempenhe função diversa daquela para qual foi legalmente investido.
Ocorre que, por vezes, na falta de servidores em número suficiente e especializado, a Administração Pública desvia um servidor de suas funções, fazendo com que este desempenhe função com atribuições totalmente diversas daquelas constantes entre as inerentes ao cargo, e o pior: sem a devida contraprestação.
Um bom e reiterado exemplo do desvio de função, é a do Auxiliar de Serviços Gerais que acompanha o Motorista no caminhão, e possui a habilitação exigida para conduzir o veículo, mas impedido de exercer tal função pública de Motorista, já que não foi aprovado em concurso público para tal para o cargo. Muitas vezes, por qualquer motivo (aposentadoria, exoneração, etc…), o Motorista legalmente investido, termina por deixar o serviço público; e ante a emergência, o Auxiliar de Serviços Gerais é obrigado a assumir a função de Motorista, sem contanto, perceber os vencimentos condizentes com sua nova função.
Outro caso de desvio de função ocorre quando a Administração cria um novo setor ou divisão e precisa de alguém para chefiá-lo ou dirigí-la. A prática nos mostra que geralmente, um servidor é “convidado” a exercer a nova função inerente a um cargo que ainda nem foi criado, sem uma nomeação, designação ou outro ato administrativo. Lembramos que os cargos de chefia podem ser exercidos mediante nomeação ou designação sem exigência de concurso público, porém, é um dever da Administração Pública oferecer a vantagem devida ao servidor nomeado ou designado para tal exercício.
Desse modo, essa omissão da Administração Pública, que deixa de agir e não procura regularizar a situação funcional do servidor público, e que além de tudo, não proíbe o desvio de função, pode ser classificada como desídia do administrador público, ou pior, como uma conduta típica, denominada prevaricação, se por acaso o Administrador estiver impelido por interesse ou motivo de ordem pessoal.
Na verdade, a Administração Pública concorre para a ocorrência do desvio de função, já que ao invés de realizar concurso público ou praticar o ato administrativo condizente com a formalização da atual situação do servidor ora desviado, prefere ficar inerte, desfrutando de uma situação totalmente cômoda e favorável, de ordem burocrática e principalmente financeira.
O servidor desviado de sua função experimenta uma falsa sensação de vantagem, ao passar a desempenhar funções de chefia; ou ainda, estando o mesmo trabalhando em um serviço mais penoso ou pesado e passando posteriormente a operar uma máquina leve, conduzir um veículo ou fazer serviço administrativo interno.
A conclusão de falsa vantagem advém do fato da Administração Pública não pagar o valor da diferença do cargo em que o servidor se encontra admitido, em relação ao cargo cuja função está realmente desempenhando, já que isso configura um lucro real (da Administração Pública), que é obtido graças ao prejuízo do servidor desviado.
Nossos Tribunais têm decidido por conceder o direito à indenização ao servidor que é desviado da função, referente apenas à diferença do cargo objeto da admissão, para outro cargo verdadeiramente desempenhado, condenando a Administração Pública ao pagamento da verba indenizatória, inclusive no tocante às Férias, Adicionais e Décimo Terceiro (Gratificação de Natal).
Porém, a decisão do órgão jurisdicional depende da demonstração do fato, que é baseada em apresentação de provas pelo servidor prejudicado.
E, na maioria das vezes, verifica-se a falta provas documentais, pois a Administração desidiosamente, evita as formalizações, fazendo com que as provas sejam exclusivamente testemunhais, prejudicando ainda mais o servidor público, já que a testemunha que porventura poderia provar o fato ocorrido, geralmente também é um servidor público, lotado na mesma instituição e pode sentir-se constrangido em testemunhar em favor de um colega, já que a parte contrária é a forte e protegida Administração Pública.
As decisões favoráveis ao servidor deverão servir para coibir a prática de desvio de função pelos administradores.
As reiteradas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça culminaram na edição da Súmula N. 378, que possui a seguinte redação:
SÚMULA N. 378 – STJ
“Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – 22/4/2009.
A indenização será devida ao servidor, que vencedor em sua ação, terá direito apenas ao valor da diferença, observando-se o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, porém nunca fará jus à incorporação do valor em seus vencimentos, nem terá direito ao reenquadramento de função, tampouco direito à contagem desta diferença no cálculo de sua aposentadoria, confirmando a injusta proteção oferecida à Administração Pública em detrimento do bem-estar do servidor público.
Rodrigo Soares Borghetti, Servidor público municipal, Advogado, graduado em Ciência da informação, vice-presidente e ouvidor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Guaíra/SP.